segunda-feira, agosto 06, 2007

Atendendo a pedidos I

Pôquer interminável
(extraído de "O Analista de Bagé")

Cinco jogadores em volta de uma mesa. Muita fumaça. Toca a campainha da porta. Um dos jogadores começa a se levantar.

Jogador 1 - Onde é que você vai ? Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 2 - Bateram na porta. Eu vou abrir.

Jogador 1 - A sua mulher não pode abrir ?

Jogador 2 - A minha mulher saiu de casa. Levou os filhos e foi pra casa da mãe dela.

Jogador 1 - Sua mulher abandonou você só por causa de um joguinho de pôquer ?

Jogador 2 - É que nós estamos jogando há duas semanas.

Jogador 1 - E daí ?

Jogador 2 - Ela disse: "Ou os seus amigos saem, ou eu saio".

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

(A campainha toca outra vez. O dono da casa vai abrir, sob o olhar de suspeita dos outros. É um garoto. O garoto se dirige ao Jogador 1.)

Garoto - A mãe mandou perguntar se o senhor vai voltar pra casa.

Jogador 1 - Quem é a sua mãe ?

Garoto - Ué. A minha mãe é a sua mulher.

Jogador 1 - Ah. Aquela. Diz que agora eu não posso sair.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Garoto - Eu trouxe uma merenda para o senhor.

Jogador 3 - Epa. O golpe do sanduíche. Mostra !

Jogador 5 - Vê se não tem uma seqüência dentro.

Jogador 1 - Não tem nada. Só mortadela.

Garoto - A mamãe também mandou pedir dinheiro.

(Todos os jogadores cobrem suas fichas.)

Todos - Ninguém dá. Ninguém dá.

Jogador 1 - Diz pra sua mãe que eu estou com um four de ases na mão. Como ninguém vai ser louco de querer ver, a mesa é minha e nós estamos ricos.

Jogador 4 - Se você tem um four de ases então tem sete ases no baralho, por que eu tenho trinca.

Jogador 1 - Diz pra sua mãe que o cachorrão falhou.

(Toca o telefone. O dono da casa se levanta para atender.)

Jogador 3 - Mas o quê ? Não se joga mais ? Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

(Apesar dos protestos, o dono da casa vai atender o telefone. Volta.)

Jogador 2 - Era a mulher do Ramiro dizendo que o nenê já vai nascer.

Jogador 4 - Meu filho vai nascer. Tenho que ir lá.

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 4 - Mas é o meu filho.

Jogador 3 - Você vai pro batizado. Quem é que joga ?

Pôquer Interminável (II)

Cinco jogadores em volta de uma mesa de pôquer. A fumaça é de três semanas. Batem na porta.

Jogador 1 - Vai abrir a porta, ó mulher!

Jogador 2 - Espera aí. Você está gritando com a minha mulher. Quer sair no braço?

Todos - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 2 - Com a minha mulher, grito eu. Vai abrir a porta, ó mulher

(Quem chega é uma senhora que se dirige a um dos jogadores.)

Senhora - Vitinho...

Jogador 3 - Mamãe...

Senhora - Há três semanas que você não sai dessa mesa, Vitinho!

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Senhora - Eu trouxe uma camisa pra você trocar...

Jogador 4 - Epa. Examina a camisa. O golpe da mãe é conhecido. Já vi mãe trazer camisa com seqüência fechada.

(Vitinho veste a camisa depois de mostrar que não tem nada escondido. O jogador 5 se levanta.)

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 5 - Mas eu vou ao banheiro.

Jogador 1 - Outra vez?

Jogador 5 - A última vez que eu fui faz dois dias!

Jogador 1 - Pois então. Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Senhora - Vitinho, eu também trouxe um bolo.

Jogador 1 - Epa.

Os outros - Epa. Epa.

Jogador 2 - Jjá vi muito bolo de mãe com recheio de três valetes.

(Abrem o bolo para examinar.)

Senhora - Quando é que você vai sair desse jogo, Vitor?

Jogador 1 - Ninguém sai. Só a mãe.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 2 - Vamos jogar. De quanto é o bolo?

Jogador 4 - não dá pra ver. tem pedaço de bolo em cima.

Jogador 1 - Agora essa. Tem bolo no bolo. Vocês estão me saindo...

Os outros - ninguém sai. ninguém sai.

Pôquer Interminável (III)

Cinco homens em volta de uma mesa de pôquer. Não se enxerga quase nada através da fumaça de um mês.

Jogador 1 - Espera um pouquinho. Cadê meu sanduíche?

Jogador 2 - Você não tinha jogado o sanduíche?

Jogador 1 - E sanduíche é ficha?

Jogador 2 - Estava no meio da mesa e eu peguei.

Jogador 3 - Esperem. Quem ganhou a última mesa fui eu. O sanduíche é meu.

Jogador 4 - Desse jeito nós vamos ficar aqui a vida inteira.

Jogador 3 - A vida inteira eu não posso.

Jogador 2 - Só porque você está ganhando?

Jogador 3 - Em 82 vai ter a Copa do Mundo na televisão e eu vou ver.

Jogador 1 - Ninguém vai.

Os outros - Ninguém vai. Ninguém vai.

(Toca o telefone. O Jogador 3 vai atender. Volta.)

Jogador 2 - Quem era?

Jogador 3 - Minha mulher. Nossa casa está prendendo fogo.

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

(Entra uma mulher na sala. Dirige-se a um dos jogadores.)

Mulher - Preciso de dinheiro.

Todos (tapando as fichas) - Ninguém dá. Ninguém dá.

Jogador 1 - Quem é que deixou essa mulher entrar?

Mulher - Como, quem é que deixou entrar? A casa é minha. Se alguém tem que sair, são vocês.

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 3 - O que é isso?

Jogador 2 - É a porta. Eu vou abrir.

Jogador 1 - Epa.

Os outros - Epa. Epa.

Jogador 1 - Eu conheço o golpe da porta. Vai abrir com um par de nove e volta com um four de damas. Deixa as cartas.

(O Jogador 2 vai abrir a porta. Volta cercado por três homens.)

Jogador 2 - É a polícia.

Jogador 1 - Bota o seis no baralho que vão entrar mais três.

Jogador 3 - Não é melhor sair alguém?

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

3 comentários:

Quel disse...

Muito boa essa crônica!!!!

Quel disse...

Muito boa essa crônica!!!!

Tiago R. Lima "Mad Max" Andrade disse...

Ninguém sai!