(extraído de "O Analista de Bagé")
Cinco jogadores em volta de uma mesa. Muita fumaça. Toca a campainha da porta. Um dos jogadores começa a se levantar.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
Jogador 2 - Bateram na porta. Eu vou abrir.
Jogador 1 - A sua mulher não pode abrir ?
Jogador 1 - Sua mulher abandonou você só por causa de um joguinho de pôquer ?
Jogador 2 - É que nós estamos jogando há duas semanas.
Jogador 1 - E daí ?
Jogador 2 - Ela disse: "Ou os seus amigos saem, ou eu saio".
Jogador 1 - Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
(A campainha toca outra vez. O dono da casa vai abrir, sob o olhar de suspeita dos outros. É um garoto. O garoto se dirige ao Jogador 1.)
Garoto - A mãe mandou perguntar se o senhor vai voltar pra casa.
Jogador 1 - Quem é a sua mãe ?
Garoto - Ué. A minha mãe é a sua mulher.
Jogador 1 - Ah. Aquela. Diz que agora eu não posso sair.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
Garoto - Eu trouxe uma merenda para o senhor.
Jogador 3 - Epa. O golpe do sanduíche. Mostra !
Jogador 5 - Vê se não tem uma seqüência dentro.
Jogador 1 - Não tem nada. Só mortadela.
Garoto - A mamãe também mandou pedir dinheiro.
(Todos os jogadores cobrem suas fichas.)
Todos - Ninguém dá. Ninguém dá.
Jogador 1 - Diz pra sua mãe que eu estou com um four de ases na mão. Como ninguém vai ser louco de querer ver, a mesa é minha e nós estamos ricos.
Jogador 4 - Se você tem um four de ases então tem sete ases no baralho, por que eu tenho trinca.
Jogador 1 - Diz pra sua mãe que o cachorrão falhou.
(Toca o telefone. O dono da casa se levanta para atender.)
Jogador 3 - Mas o quê ? Não se joga mais ? Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
(Apesar dos protestos, o dono da casa vai atender o telefone. Volta.)
Jogador 2 - Era a mulher do Ramiro dizendo que o nenê já vai nascer.
Jogador 4 - Meu filho vai nascer. Tenho que ir lá.
Jogador 1 - Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
Jogador 3 - Você vai pro batizado. Quem é que joga ?
Pôquer Interminável (II)
Cinco jogadores em volta de uma mesa de pôquer. A fumaça é de três semanas. Batem na porta.
Jogador 1 - Vai abrir a porta, ó mulher!
Jogador 2 - Espera aí. Você está gritando com a minha mulher. Quer sair no braço?
Todos - Ninguém sai. Ninguém sai.
Jogador 2 - Com a minha mulher, grito eu. Vai abrir a porta, ó mulher
(Quem chega é uma senhora que se dirige a um dos jogadores.)
Senhora - Vitinho...
Jogador 3 - Mamãe...
Senhora - Há três semanas que você não sai dessa mesa, Vitinho!
Jogador 1 - Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
Senhora - Eu trouxe uma camisa pra você trocar...
Jogador 4 - Epa. Examina a camisa. O golpe da mãe é conhecido. Já vi mãe trazer camisa com seqüência fechada.
(Vitinho veste a camisa depois de mostrar que não tem nada escondido. O jogador 5 se levanta.)
Jogador 1 - Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
Jogador 5 - Mas eu vou ao banheiro.
Jogador 1 - Outra vez?
Jogador 5 - A última vez que eu fui faz dois dias!
Jogador 1 - Pois então. Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
Senhora - Vitinho, eu também trouxe um bolo.
Jogador 1 - Epa.
Os outros - Epa. Epa.
Jogador 2 - Jjá vi muito bolo de mãe com recheio de três valetes.
(Abrem o bolo para examinar.)
Senhora - Quando é que você vai sair desse jogo, Vitor?
Jogador 1 - Ninguém sai. Só a mãe.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
Jogador 2 - Vamos jogar. De quanto é o bolo?
Jogador 4 - não dá pra ver. tem pedaço de bolo em cima.
Jogador 1 - Agora essa. Tem bolo no bolo. Vocês estão me saindo...
Os outros - ninguém sai. ninguém sai.
Pôquer Interminável (III)
Cinco homens em volta de uma mesa de pôquer. Não se enxerga quase nada através da fumaça de um mês.
Jogador 1 - Espera um pouquinho. Cadê meu sanduíche?
Jogador 2 - Você não tinha jogado o sanduíche?
Jogador 1 - E sanduíche é ficha?
Jogador 2 - Estava no meio da mesa e eu peguei.
Jogador 3 - Esperem. Quem ganhou a última mesa fui eu. O sanduíche é meu.
Jogador 4 - Desse jeito nós vamos ficar aqui a vida inteira.
Jogador 3 - A vida inteira eu não posso.
Jogador 2 - Só porque você está ganhando?
Jogador 3 - Em 82 vai ter a Copa do Mundo na televisão e eu vou ver.
Jogador 1 - Ninguém vai.
Os outros - Ninguém vai. Ninguém vai.
(Toca o telefone. O Jogador 3 vai atender. Volta.)
Jogador 2 - Quem era?
Jogador 3 - Minha mulher. Nossa casa está prendendo fogo.
Jogador 1 - Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
(Entra uma mulher na sala. Dirige-se a um dos jogadores.)
Mulher - Preciso de dinheiro.
Todos (tapando as fichas) - Ninguém dá. Ninguém dá.
Jogador 1 - Quem é que deixou essa mulher entrar?
Mulher - Como, quem é que deixou entrar? A casa é minha. Se alguém tem que sair, são vocês.
Jogador 1 - Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
Jogador 3 - O que é isso?
Jogador 2 - É a porta. Eu vou abrir.
Jogador 1 - Epa.
Os outros - Epa. Epa.
Jogador 1 - Eu conheço o golpe da porta. Vai abrir com um par de nove e volta com um four de damas. Deixa as cartas.
(O Jogador 2 vai abrir a porta. Volta cercado por três homens.)
Jogador 2 - É a polícia.
Jogador 1 - Bota o seis no baralho que vão entrar mais três.
Jogador 3 - Não é melhor sair alguém?
Jogador 1 - Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
3 comentários:
Muito boa essa crônica!!!!
Muito boa essa crônica!!!!
Ninguém sai!
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