segunda-feira, agosto 06, 2007

Atendendo a pedidos II

O contrato de casamento

Na semana passada, comemorei trinta anos de casamento. Recebemos dezenas de congratulações de nossos amigos, algumas com o seguinte adendo assustador: “Coisa rara hoje em dia”.

De fato, 40% de meus amigos de infância já se separaram, e o filme ainda nem terminou. Pelo jeito, estamos nos esquecendo da essência do contrato de casamento, que é a promessa de amar o outro para sempre. Muitos casais no altar acreditam que estão prometendo amar um ao outro enquanto o casamento durar. Mas isso não é um contrato. Recentemente, vi um filme em que o mocinho terminava o namoro dizendo “vou sempre amar você”, como se fosse um prêmio de consolação. Banalizamos a frase mais importante do casamento. Hoje, promete-se amar o cônjuge até o dia em que alguém mais interessante apareça. “Eu amarei você para sempre” deixou de ser uma promessa social e passou a ser simplesmente uma frase dita para enganar o outro.

Contratos, inclusive os de casamento, são realizados justamente porque o futuro é incerto e imprevisível. Antigamente, os casamentos eram feitos aos 20 anos de idade, depois de uns três anos de namoro. A chance de você encontrar sua alma gêmea nesse curto período de pesquisa era de somente 10%, enquanto 90% das mulheres e homens de sua vida você iria conhecer provavelmente já depois de casado. Estatisticamente, o homem ou a mulher “ideal” para você aparecerá somente, de fato, depois do casamento, não antes. Isso significa que provavelmente seu “verdadeiro amor” estará no grupo que você ainda não conhece, e não no grupinho de cerca de noventa amigos da adolescência, do qual saiu seu par. E aí, o que fazer? Pedir divórcio, separar-se também dos filhos, só porque deu azar? O contrato de casamento foi feito para resolver justamente esse problema. Nunca temos na vida todas as informações necessárias para tomar as decisões corretas. As promessas e os contratos preenchem essa lacuna, preenchem essa incerteza, sem a qual ficaríamos todos paralisados à espera de mais informação.

Quando você promete amar alguém para sempre, está prometendo o seguinte: “Eu sei que nós dois somos jovens e que vamos viver até os 80 anos de idade. Sei que inexoravelmente encontrarei centenas de mulheres mais bonitas e mais inteligentes que você ao longo de minha vida e que você encontrará dezenas de homens mais bonitos e mais inteligentes que eu. É justamente por isso que prometo amar você para sempre e abrir mão desde já dessas dezenas de oportunidades conjugais que surgirão em meu futuro. Não quero ficar morrendo de ciúme cada vez que você conversar com um homem sensual nem ficar preocupado com o futuro de nosso relacionamento. Nem você vai querer ficar preocupada cada vez que eu conversar com uma mulher provocante. Prometo amar você para sempre, para que possamos nos casar e viver em harmonia”.

Homens e mulheres que conheceram alguém “melhor” e acham agora que cometeram enorme erro quando se casaram com o atual cônjuge esqueceram a premissa básica e o espírito do contrato de casamento. O objetivo do casamento não é escolher o melhor par possível mundo afora, mas construir o melhor relacionamento possível com quem você prometeu amar para sempre. Um dia, vocês terão filhos e, ao colocá-los na cama, dirão a mesma frase: que irão amá-los para sempre. Não conheço pais que pensam em trocar os filhos pelos filhos mais comportados do vizinho. Não conheço filho que aceite, de início, a separação dos pais e, quando estes se separam, não sonhe com a reconciliação da família. Nem conheço filho que queira trocar os pais por outros “melhores”. Eles aprendem a conviver com os pais que têm.

Casamento é o compromisso de aprender a resolver as brigas e as rusgas do dia-a-dia de forma construtiva, o que muitos casais não aprendem, e alguns nem tentam aprender. Obviamente, se sua esposa se transformou numa megera ou seu marido num monstro, ou se fizeram propaganda enganosa, a situação muda. Para aqueles que querem ter vantagem em tudo na vida, talvez a saída seja postergar o casamento até os 80 anos. Aí, você terá certeza de tudo.

KANITZ, Stephen. Ponto de Vista. VEJA, Rio de Janeiro, 29 set. 2004. p.22. (Texto adaptado pela COPEVE / UFMG)

Atendendo a pedidos I

Pôquer interminável
(extraído de "O Analista de Bagé")

Cinco jogadores em volta de uma mesa. Muita fumaça. Toca a campainha da porta. Um dos jogadores começa a se levantar.

Jogador 1 - Onde é que você vai ? Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 2 - Bateram na porta. Eu vou abrir.

Jogador 1 - A sua mulher não pode abrir ?

Jogador 2 - A minha mulher saiu de casa. Levou os filhos e foi pra casa da mãe dela.

Jogador 1 - Sua mulher abandonou você só por causa de um joguinho de pôquer ?

Jogador 2 - É que nós estamos jogando há duas semanas.

Jogador 1 - E daí ?

Jogador 2 - Ela disse: "Ou os seus amigos saem, ou eu saio".

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

(A campainha toca outra vez. O dono da casa vai abrir, sob o olhar de suspeita dos outros. É um garoto. O garoto se dirige ao Jogador 1.)

Garoto - A mãe mandou perguntar se o senhor vai voltar pra casa.

Jogador 1 - Quem é a sua mãe ?

Garoto - Ué. A minha mãe é a sua mulher.

Jogador 1 - Ah. Aquela. Diz que agora eu não posso sair.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Garoto - Eu trouxe uma merenda para o senhor.

Jogador 3 - Epa. O golpe do sanduíche. Mostra !

Jogador 5 - Vê se não tem uma seqüência dentro.

Jogador 1 - Não tem nada. Só mortadela.

Garoto - A mamãe também mandou pedir dinheiro.

(Todos os jogadores cobrem suas fichas.)

Todos - Ninguém dá. Ninguém dá.

Jogador 1 - Diz pra sua mãe que eu estou com um four de ases na mão. Como ninguém vai ser louco de querer ver, a mesa é minha e nós estamos ricos.

Jogador 4 - Se você tem um four de ases então tem sete ases no baralho, por que eu tenho trinca.

Jogador 1 - Diz pra sua mãe que o cachorrão falhou.

(Toca o telefone. O dono da casa se levanta para atender.)

Jogador 3 - Mas o quê ? Não se joga mais ? Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

(Apesar dos protestos, o dono da casa vai atender o telefone. Volta.)

Jogador 2 - Era a mulher do Ramiro dizendo que o nenê já vai nascer.

Jogador 4 - Meu filho vai nascer. Tenho que ir lá.

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 4 - Mas é o meu filho.

Jogador 3 - Você vai pro batizado. Quem é que joga ?

Pôquer Interminável (II)

Cinco jogadores em volta de uma mesa de pôquer. A fumaça é de três semanas. Batem na porta.

Jogador 1 - Vai abrir a porta, ó mulher!

Jogador 2 - Espera aí. Você está gritando com a minha mulher. Quer sair no braço?

Todos - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 2 - Com a minha mulher, grito eu. Vai abrir a porta, ó mulher

(Quem chega é uma senhora que se dirige a um dos jogadores.)

Senhora - Vitinho...

Jogador 3 - Mamãe...

Senhora - Há três semanas que você não sai dessa mesa, Vitinho!

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Senhora - Eu trouxe uma camisa pra você trocar...

Jogador 4 - Epa. Examina a camisa. O golpe da mãe é conhecido. Já vi mãe trazer camisa com seqüência fechada.

(Vitinho veste a camisa depois de mostrar que não tem nada escondido. O jogador 5 se levanta.)

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 5 - Mas eu vou ao banheiro.

Jogador 1 - Outra vez?

Jogador 5 - A última vez que eu fui faz dois dias!

Jogador 1 - Pois então. Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Senhora - Vitinho, eu também trouxe um bolo.

Jogador 1 - Epa.

Os outros - Epa. Epa.

Jogador 2 - Jjá vi muito bolo de mãe com recheio de três valetes.

(Abrem o bolo para examinar.)

Senhora - Quando é que você vai sair desse jogo, Vitor?

Jogador 1 - Ninguém sai. Só a mãe.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 2 - Vamos jogar. De quanto é o bolo?

Jogador 4 - não dá pra ver. tem pedaço de bolo em cima.

Jogador 1 - Agora essa. Tem bolo no bolo. Vocês estão me saindo...

Os outros - ninguém sai. ninguém sai.

Pôquer Interminável (III)

Cinco homens em volta de uma mesa de pôquer. Não se enxerga quase nada através da fumaça de um mês.

Jogador 1 - Espera um pouquinho. Cadê meu sanduíche?

Jogador 2 - Você não tinha jogado o sanduíche?

Jogador 1 - E sanduíche é ficha?

Jogador 2 - Estava no meio da mesa e eu peguei.

Jogador 3 - Esperem. Quem ganhou a última mesa fui eu. O sanduíche é meu.

Jogador 4 - Desse jeito nós vamos ficar aqui a vida inteira.

Jogador 3 - A vida inteira eu não posso.

Jogador 2 - Só porque você está ganhando?

Jogador 3 - Em 82 vai ter a Copa do Mundo na televisão e eu vou ver.

Jogador 1 - Ninguém vai.

Os outros - Ninguém vai. Ninguém vai.

(Toca o telefone. O Jogador 3 vai atender. Volta.)

Jogador 2 - Quem era?

Jogador 3 - Minha mulher. Nossa casa está prendendo fogo.

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

(Entra uma mulher na sala. Dirige-se a um dos jogadores.)

Mulher - Preciso de dinheiro.

Todos (tapando as fichas) - Ninguém dá. Ninguém dá.

Jogador 1 - Quem é que deixou essa mulher entrar?

Mulher - Como, quem é que deixou entrar? A casa é minha. Se alguém tem que sair, são vocês.

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.

Jogador 3 - O que é isso?

Jogador 2 - É a porta. Eu vou abrir.

Jogador 1 - Epa.

Os outros - Epa. Epa.

Jogador 1 - Eu conheço o golpe da porta. Vai abrir com um par de nove e volta com um four de damas. Deixa as cartas.

(O Jogador 2 vai abrir a porta. Volta cercado por três homens.)

Jogador 2 - É a polícia.

Jogador 1 - Bota o seis no baralho que vão entrar mais três.

Jogador 3 - Não é melhor sair alguém?

Jogador 1 - Ninguém sai.

Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.