O MONSTRO
Quando era pequeno você também não fantasiava que havia um monstro debaixo da sua cama só esperando a hora de pegar seu pe? Sair da cama no meio da noirte para fazer xixi era um risco, lembra? Era a oportunidade que o monstro esperava.
E voltar para a cama depois do xixi era um risco ainda maior. O monstro tivera tempo de se preparar. O monstro estava nos esperando! A solução era pular na cama de uma distancia segura, mesmo com o perigo de desmontar a cama ou errar o alvo e se esborrachar contra a parede. Qualquer coisa era preferível ao monstro pegar nosso pe.
Numa recente noirte de insonia, fiquei pensando naquele entranho temor infantil. E se o monstro estivesse debaixo da minha cama naquele exato momento? Desativado, pois não fazia mais parte das minhas fantasias, mas ainda lá? Decidi fazer um teste. Falei: - Monstro? Baixinho, para não acordar minha mulher e ter que dar explicações (“Não, não, estou falando comigo mesmo. É autocrítica”.).
Nenhuma resposta. Repeti: - Monstro? Ouvi um ruído. Um “grmslmsk”. Aquele som que a gente faz quando acorda, antes de se lembrar que língua fala. Insisti.
- Monstro?
- Quié.
- Você continua aí?
- Quem quer saber?
- Sou eu.
- Mas você não cresceu?
- Cresci. Pior, envelheci.
- E ainda acredita em mim?
- Não, claro. Eu só queria saber algumas coisas...
- O quê, por exemplo?
- Por que vocês queriam pegar o nosso pé? Qual era o objetivo?
- Objetivo nenhum. Desde quando fantasia de criança precisa de objetivo, motivo ou explicação? Eu era só uma manifestação dos terrores dos lugares escuros, do mal escondido em tudo que não se pode ver. Mesmo dentro de casa. O pavor do invisível. A primeira angústia humana. E a última.
- O que vocês fariam com nosso pé, se o pegassem?
- Não sei. Ninguém sabe. Em toda a história do mundo, não há um caso registrado de monstro debaixo da cama que tenha pego um pé de criança. Criança alguma jamais desapareceu embaixo da própria cama. Nós éramos só a ameaça, a hipótese de malignidade que há em tudo. Existíamos na imaginação de vocês que é onde nascem todos os monstros.
- Como você é? É algum tipo de réptil? Algo como um jacaré?
- E eu sei? Somos como vocês nos imaginavam. Nós não precisamos nos imaginar.
- E o que você faz embaixo da minha cama?
- Bom, eu estava dormindo. Você me acordou.
- Não. O que você faz o tempo todo?
- Nada. É o que faço desde que você deixou de acreditar em mim. Sou os seus pavores de infância adormecidos. Só acordei agora para esta ocasião especial: você voltou a me imaginar.
- É que eu estava com insônia, comecei a pensar nas minhas fantasias infantis, sabe como é. A gente vai ficando meio sentimental...Eu precisava de alguém para compartilhar minhas lembranças de criança. E quem melhor do que alguém daquele tempo? Você, mais do que ninguém, sabe do que estou falando. Não é, monstro?
- Grmrsch...
- Monstro. Acorda!
- Ahm, yam, que foi?
- Fique acordado. Para lembrarmos os velhos tempos. Para conversamos sobre a memória, o medo e os mistérios da vida. Para...
- Me deixe dormir. Eu, ao contrario de você, não tenho dúvidas, lembranças, temores, nostalgia ou insônia. Estou aposentado e quero a paz a que tenho direito.
- Mas, monstro, e o pavor? E a sua missão de representar a malignidade inerente a tudo, a ameaça implícita do invisível?
- Me acorde quando vc for fazer xixi.
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