terça-feira, setembro 26, 2006
FRASE DA SEMANA
Achei fantástica, mas, prá variar, não me lembro do nome do Autor....
quarta-feira, setembro 20, 2006
Verissimo
Quando era pequeno você também não fantasiava que havia um monstro debaixo da sua cama só esperando a hora de pegar seu pe? Sair da cama no meio da noirte para fazer xixi era um risco, lembra? Era a oportunidade que o monstro esperava.
E voltar para a cama depois do xixi era um risco ainda maior. O monstro tivera tempo de se preparar. O monstro estava nos esperando! A solução era pular na cama de uma distancia segura, mesmo com o perigo de desmontar a cama ou errar o alvo e se esborrachar contra a parede. Qualquer coisa era preferível ao monstro pegar nosso pe.
Numa recente noirte de insonia, fiquei pensando naquele entranho temor infantil. E se o monstro estivesse debaixo da minha cama naquele exato momento? Desativado, pois não fazia mais parte das minhas fantasias, mas ainda lá? Decidi fazer um teste. Falei: - Monstro? Baixinho, para não acordar minha mulher e ter que dar explicações (“Não, não, estou falando comigo mesmo. É autocrítica”.).
Nenhuma resposta. Repeti: - Monstro? Ouvi um ruído. Um “grmslmsk”. Aquele som que a gente faz quando acorda, antes de se lembrar que língua fala. Insisti.
- Monstro?
- Quié.
- Você continua aí?
- Quem quer saber?
- Sou eu.
- Mas você não cresceu?
- Cresci. Pior, envelheci.
- E ainda acredita em mim?
- Não, claro. Eu só queria saber algumas coisas...
- O quê, por exemplo?
- Por que vocês queriam pegar o nosso pé? Qual era o objetivo?
- Objetivo nenhum. Desde quando fantasia de criança precisa de objetivo, motivo ou explicação? Eu era só uma manifestação dos terrores dos lugares escuros, do mal escondido em tudo que não se pode ver. Mesmo dentro de casa. O pavor do invisível. A primeira angústia humana. E a última.
- O que vocês fariam com nosso pé, se o pegassem?
- Não sei. Ninguém sabe. Em toda a história do mundo, não há um caso registrado de monstro debaixo da cama que tenha pego um pé de criança. Criança alguma jamais desapareceu embaixo da própria cama. Nós éramos só a ameaça, a hipótese de malignidade que há em tudo. Existíamos na imaginação de vocês que é onde nascem todos os monstros.
- Como você é? É algum tipo de réptil? Algo como um jacaré?
- E eu sei? Somos como vocês nos imaginavam. Nós não precisamos nos imaginar.
- E o que você faz embaixo da minha cama?
- Bom, eu estava dormindo. Você me acordou.
- Não. O que você faz o tempo todo?
- Nada. É o que faço desde que você deixou de acreditar em mim. Sou os seus pavores de infância adormecidos. Só acordei agora para esta ocasião especial: você voltou a me imaginar.
- É que eu estava com insônia, comecei a pensar nas minhas fantasias infantis, sabe como é. A gente vai ficando meio sentimental...Eu precisava de alguém para compartilhar minhas lembranças de criança. E quem melhor do que alguém daquele tempo? Você, mais do que ninguém, sabe do que estou falando. Não é, monstro?
- Grmrsch...
- Monstro. Acorda!
- Ahm, yam, que foi?
- Fique acordado. Para lembrarmos os velhos tempos. Para conversamos sobre a memória, o medo e os mistérios da vida. Para...
- Me deixe dormir. Eu, ao contrario de você, não tenho dúvidas, lembranças, temores, nostalgia ou insônia. Estou aposentado e quero a paz a que tenho direito.
- Mas, monstro, e o pavor? E a sua missão de representar a malignidade inerente a tudo, a ameaça implícita do invisível?
- Me acorde quando vc for fazer xixi.
sábado, setembro 16, 2006
O coração tem razões.
terça-feira, setembro 12, 2006
Conto
Joguete
- Boa tarde - diz o senhor que acaba de adentrar a portaria.
- Boa tarde - responde Aristolo.
- Me esperam no quarto 508.
- Seu nome?
Quarto 508. O senhor bate à porta. Vê que alguém o observa pelo olho mágico. Não há sinal de que vá abrir. Já está ficando nervoso com a situação. “Não devia ter vindo”, pensa. Chave na fechadura. Barulho de tranca destravando-se. A porta abre-se e surge um outro senhor de trás. São dois homens distintos, muito bem vestidos em seus ternos pretos. Há também o detalhe da flor vermelha na lapela. É mais que um detalhe, é uma senha.
- Desculpe a demora em abrir a porta, é que sua flor está um pouco afundada dentro do bolso de seu terno, o que, de certo modo, dificulta a identificação.
- Ah, claro - disse Moringa (ele se chama Moringa), ajeitando a flor em seu devido lugar.
- Queira entrar, por favor - disse Pedrosa (ele se chama Pedrosa), fazendo um gesto com o braço.
O outro, antes de obedecer, dá uma olhada para ambos os lados do corredor. Entra. O apartamento é pequeno; no centro do que parece ser, ao mesmo tempo, sala e quarto, está uma mesa ao redor da qual estão sentados quatro senhores. Todos muito elegantes, trajando (não há o que se espantar!) terno preto. Moringa olha nos olhos de cada um.
- Sente-se por favor, Moringa.
- Mas afinal, para que você nos chamou aqui? E quem é você? - perguntou um dos presentes.
- Agora que já estamos todos reunidos posso me apresentar. - disse Pedrosa.
“Até que enfim”, pensou outro que estava à mesa.
- Nenhum de vocês me conhece, não é mesmo?
Os outros assentiram com a cabeça.
- Bem, eu, ao contrário, conheço todos vocês. Sei onde moram, onde trabalham, onde se divertem, onde cortam o cabelo, enfim, onde passam suas mesquinhas vidas dia após dia.
Um dos senhores levanta-se.
- Você ficou maluco? Perdeu a noção do que é perigo?
Pedrosa, que tinha sido o único a permanecer de pé, olha-o tranqüilamente. É como se já esperasse aquela reação. Diz para o outro se sentar, pois ainda não terminou sua “explanação”.
- Explanação merda nenhuma! Você nos humilhou.
- Sente-se por favor, senhor Cairo.
- Eu não sei o que eu vim fazer aqui. Vou embora dessa merda.
- Senhor Cairo, queira se sentar.
- Senhor Cairo é o cacete! (olhando para os outros) E vocês? Não vão fazer nada? Ele falou que a gente leva uma vida medíocre.
- Mesquinha - disse alguém.
- Quê?
- Ele usou a palavra “mesquinha”.
- Vai tomar banho! Eu sei o que ele disse!
- Senhor Cairo, não avisarei novamente. Por favor, para o seu bem, sente-se em sua cadeira.
- É? E vai fazer o que comigo? Me bater? Me cuspir? Não, não, não, já sei. Vai me jogar pela janela? Afinal, estamos no quinto andar.
A poça de sangue em pouco tempo chegou ao pé da mesa. Foram oito tiros. Três no rosto e cinco no peito. Pedrosa tirou o lenço vermelho do bolso, limpou sua arma e a recolocou na parte de trás da calça.
- Bem senhores, desculpem-me o transtorno. E não se preocupem com a arma, é só prevenção - e deu um sorrisinho com o qual ninguém compartilhou.
“Podemos começar?”, continuou Pedrosa.
- Mas começar o quê? - indagou Moringa.
- Ah, claro. Por causa daquele senhor que ali está (e apontou para o morto no chão), quase me esqueço de lhes explicar o motivo da presença de vocês aqui. Serei breve. Os senhores receberam em suas casas uma carta minha. Junto com a carta enviei também um cheque de valor considerável. Em relação ao dinheiro vocês tinham duas possibilidades de uso: ou gastar integralmente no que lhes conviesse, ou usar metade e trazer a outra metade para o endereço indicado. Deixei bem claro na missiva que, caso escolhessem a primeira opção, era desnecessário a presença de vocês aqui. Contudo, se optassem pela segunda, tinham grandes chances de ganhar soma muito maior do que estavam recebendo. Para a minha feliz surpresa todos que receberam a carta aqui estão. Pois bem, aqui começa a melhor parte. Vocês estão aqui reunidos para participarem de um jogo de cartas bem conhecido: Vinte e um. As regras, acredito eu, são do conhecimento de todos. O dinheiro que vocês trouxeram, ao contrário do que devam estar pensando, não é para apostas. O dinheiro serve única e exclusivamente para resgate.
“Resgate?”, pensou alguém.
- Resgate? - perguntou um dos presentes.
- Sim, resgate. De quê? Vocês saberão logo mais.
- E o que apostaremos? - perguntou outro.
- Suas vidas.
Todos ficaram meio transtornados com aquela resposta. Devia ser brincadeira. Um velho excêntrico buscando uma nova forma de gastar seu dinheiro. Iguais a ele existem vários por aí. Cheios de grana e uma vontade imensa de gozar com a cara de quem vive duro.
- O senhor ta de sacanagem com a gente? - pergunta o que parecia ser o mais novo do grupo.
- Noronha, eu pareço estar de sacanagem?
“Explica direito”, pediu Vanderlei que tinha ouvido tudo, desde o início, sem dizer palavra alguma.
- É simples, caro Vanderlei. As disputas são feitas sempre de dois em dois. O que perde escolhe entre a possibilidade de levar um tiro ou comprar sua vida de volta. É o que eu chamo de resgate. Aí que entra o dinheiro que trouxeram. Uma observação, meus amigos. Vejam que existe a possibilidade de levar o tiro, assim como há a possibilidade de sair ileso. Simples. A velha roleta russa.
- E quem dá o tiro? - perguntou Noronha.
- O ganhador da rodada, obviamente.
- E o que ele ganha? - perguntou Moringa.
- Como lhes disse na carta, muito dinheiro. Mas só ao final. Só após ter vencido todas as rodadas. Como vocês são três, para levar a bolada é preciso vencer três partidas.
- Não seriam duas? - perguntou Vanderlei.
- Meu nobre Vanderlei, se eu não jogasse que graça teria para mim tudo isso? Então, todos estão de acordo?
Pedrosa sabia que, mesmo não estando de acordo, todos jogariam. Escolhia a dedo o que ele costumava chamar seus “parceiros de jogo”. Todos homens de meia idade, casados, endividados e, principalmente, com um vício em comum: o jogo.
Aristolo está na portaria ouvindo seu radinho. É um senhor bondoso. Não gosta de encrenca para o seu lado. Não gosta de saber da vida dos moradores. Finge que não ouve quando alguns moradores reclamam de barulho no quarto 508. Afinal, Pedrosa não é dono só daquele quarto. Ele é dono do edifício inteiro. Poucos sabem. Aristolo sabe. E sabe também que precisa do emprego. Não lhe interessa o que são aqueles sacos pretos grandes que, toda madrugada de quinta para sexta-feira, descem pelo elevador de serviço junto com senhores muito estranhos. Em seguida vem sempre Pedrosa, que lhe acena com a cabeça. Aristolo está ouvindo A voz do Brasil. Está de mau humor. Hoje é quinta-feira, dia de jogo.
sexta-feira, setembro 08, 2006
Variações sobre o mesmo tema 2
TUDO DENTRO DA NORMALIDADE
João Ubaldo Ribeiro
Devo ter tido o juízo afetado por aquela Copa estranha, porque, tanto tempo depois, permaneço numa sensação de irrealidade e dei para de vez em quando parar o que estou fazendo para querer saber onde estou, de que me trato, o que é tudo isso em torno. Tenho um psiquiatra de estimação, a competência encarnada, ao qual sou obrigado às vezes a recorrer, nestes momentos em que a Mãe Gentil nos deixa tão perplexos, confusos, descrentes e em crises de hilaridade demente.
Decidi então marcar uma horinha com ele, porque, novamente, me atacou a Dúvida Cruel: não é o mundo que está maluco, sou eu. E, especialmente, não é o Brasil que está doido, sou eu, tendo alucinações e pensando em acontecimentos impossíveis.
Ele me recebeu com o ar compreensivo de quem está acostumado a lidar com malucos. Já conhece a maior parte das minhas (todas é impossível, ele mesmo disse) neuras e padecimentos psíquicos variados. Tanto assim que, mal me sentei, me deu um rápido olhar de avaliação.
- Surto cívico outra vez? - perguntou, cruzando os dedos.
- Como é que você sabe? Eu estou dando bandeira, saí com a camisa da seleção sem reparar? - Não, para quem não conhece você, não. Mas você está com sua cara de discurso. Da última vez em que você esteve aqui com essa cara, queria depois Bush. Eu lembro bem, você chegou a babar na camisa e xingou em inglês.