Aqui vou eu, do alto do meu Livro-Caixa-De-Surpresas, que mais parece um maço antigo de cartas, nem todas de amor, mas todas queridas. Agradeço (sempre) a quem me apresentou Manoel de Barros.
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
(Memórias Inventadas - A infância. Ed. Planeta, 2003, em uma encadernação linda em forma de presente.)
quarta-feira, maio 31, 2006
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2 comentários:
O texto todo é lindo, mas a primeira e a última frase é simplesmente maravilhosa! Gosto dessa maneira que certos autores têm para dizer o que ninguém ainda falou...
Corrigindo: Gosto dessa maneira que certos autores têm DE dizer o que ninguém ainda falou...
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