Recebi de Manuel Raimundo de Souza Jr., o Nezito, uma crônica interessante veiculada pela rádio CBN. Outro e-mail atribui a autoria do texto à poetisa de Araçatuba Vilmara Belo.
(Texto publicado no Boletim da rádio CBN, em 2 de outubro de 2003)
Eu, uma brasileira morando nos Estados Unidos da América, para ajudar no orçamento estou fazendo “bico” de babá e estudo. Ao cuidar de uma das meninas, cantei “Boi da cara preta” para ela, antes dela dormir. Ela adorou e essa passou a ser a música que ela sempre pede para eu cantar ao colocá-la para dormir.
Antes de adotarmos o “boi, boi, boi” como canção de ninar, a canção que cantávamos (em Inglês) dizia algo como:
Boa noite, linda menina, durma bem./ Sonhos doces venham para você,/ Sonhos doces por toda noite”... (Que lindo!)
Eis que um dia Mary Helen me pergunta o que as palavras em português da música “Boi da cara preta” queriam dizer em inglês:
“Boi, boi, boi, boi da cara preta,/ pega essa menina que tem medo de careta...”/ Como eu ia explicar para ela e dizer que, na verdade, a música “Boi da cara preta” era uma ameaça, era algo como “dorme logo, senão o boi vem te comer”?
Como explicar que eu estava tentando fazer com que ela dormisse com uma música que incita um bovino de cor negra a pegar uma cândida menina?
Claro que menti para ela, mas comecei a pensar em outras canções infantis, pois não me sentiria bem ameaçando aquela menina com um temível boi toda noite... Que tal... “nana neném que a cuca vai pegar...”
Caramba... outra ameaça! Agora com um ser ainda mais maligno que um boi preto! Depois de uma frustrante busca por uma canção infantil do folclore brasileiro que fosse positiva e de uma longa reflexão, eu descobri toda a
origem dos problemas do Brasil. O problema do Brasil é que a sua população em geral tem uma auto-estima muito baixa. Isso faz com que os brasileiros se sintam sempre inferiores e ameaçados, passivos o suficiente para aceitar qualquer tipo de extorsão e exploração, seja interna ou externa. Por que isso acontece?
Trauma de infância! Trauma causado pelas canções da infância. Vou explicar: nós somos ameaçados, amedrontados, en-caramos tragédias desde o berço! Por isso levamos tanta porrada da vida e ficamos quietos. Exemplificarei minha tese: Atirei o pau no gato-tô-tô/ Mas o gato-tô-tô não morreu-reu-reu / Dona Chica-ca-ca admirou-se-se/ Do berrô, do berrô que o gato deu/ Miaaau!
Esse clássico do cancioneiro infantil é uma demonstração clara de falta de respeito aos animais (pobre gato) e crueldade. Por que atirar o pau no gato, essa criatura tão indefesa? E para acentuar a gravidade, ainda relata o sadismo dessa mulher sob a alcunha de “D. Chica”. Uma vergonha!
Eu sou pobre, pobre, pobre,/ De marré, marré, marré.
Eu sou pobre, pobre, pobre,/ De marré de si./ Eu sou rica, rica, rica,/ De marré, marré, marré./ Eu sou rica, rica, rica, De marré de si.
Colocar a realidade tão vergonhosa da desigualdade social em versos tão doces!! É impossível não lembrar do seu amiguinho rico da infância com um carrinho de controle remoto, e você brincando com seu carrinho de plástico?
Vem cá, Bitu! vem cá, Bitu!/ Vem cá, meu bem, vem cá!
Não vou lá! Não vou lá, Não vou lá!/ Tenho medo de apanhar./
Quem é o adulto sádico que criou essa rima?
No mínimo ele espancava o pobre.
Bitu...
Marcha soldado,/ cabeça de papel!/ Quem não marchar direito,/ Vai preso pro quartel.
De novo: ameaça. Ou obedece ou se dana. Não é à toa que brasileiro admite tudo de cabeça baixa...
A canoa virou,/ Quem deixou ela virar,/ Foi por causa da fulana/ Que não soube remar.
Ao invés de incentivar o trabalho de equipe e o apoio mútuo, as crianças brasileiras são ensinadas a dedurar e condenar um semelhante. Bate nele, mãe!
Samba-lelê tá doente,/ Tá com a cabeça quebrada./ Samba-lelê precisava/ É de umas boas palmadas.
A pessoa, conhecida como Samba-lelê, encontra-se com a saúde debilitada, necessita de cuidados médicos, mas, ao invés de compaixão e apoio, a música diz que ela precisa de palmadas! Acho que o Samba-lelê deve ser irmão do
Bitu...
O anel que tu me deste/ Era vidro e se quebrou./ O amor que tu me tinhas/ Era pouco e se acabou...
Como crescer e acreditar no amor e no casamento depois de ouvir essa passagem anos a fio?
O cravo brigou com a rosa/ Debaixo de uma sacada;/ O cravo saiu ferido/ E a rosa despedaçada./ O cravo ficou doente,/ A rosa foi visitar;/ O cravo teve um desmaio, A rosa pôs-se a chorar.
Desgraça, desgraça, desgraça! E ainda incita a violência conjugal (releie a primeira estrofe).
Precisamos lutar contra essas lembranças, meus amigos!
Nossos filhos merecem um futuro melhor!
Internautas não valorizam a autoria dos textos, por isso não se sabe quem é o verdadeiro autor dele. A crônica acima mostra a linguagem politicamente incorreta das canções de ninar do Brasil e como suas letras formam a baixa auto-estima das crianças.
A autora (ou autor) do texto, que trabalha como babá em Londres, ficou com vergonha de traduzir as letras para a criança de quem cuidara, pois as canções de ninar inglesas são suaves e falam de coisas bonitas, enquanto as nossas ameaçam a criança que não quer dormir com boi da cara preta, cuca e caretas.
Na verdade, a autora (ou autor) confundiu a classificação de algumas canções, classificando-as como de ninar. "Atirei o pau no gato", por exemplo, é cantiga de roda. Outro erro da autora, mais grave, foi ignorar a cultura brasileira e que as histórias das canções de ninar brasileiras eram cantadas por escravas (mucamas) aos filhos da sinhá.
A bem da verdade, ela não amava aquela criança. O seu trabalho era forçado, feito sem amor. E se escravos eram espancados, perseguidos, numa sociedade repressora ao extremo, as canções de ninar não podiam ser muito diferentes. Cada pessoa doa o que recebe.
Se as canções de ninar eram cantadas aos filhos dos senhores, não causaram efeitos maléficos, pois não considero que a elite econômica do Brasil tenha baixa auto-estima. Aliás, ela tem mesmo é o nariz bem empinado.
Essa discussão é semelhante àquela da influência dos filmes de violência exibidos pela tevê, se deixa ou não a criança violenta. Na verdade, quem deixa a criança violenta é a própria sociedade que o circunda, da qual ela é testemunha.
Apesar de a análise apresentada pelo texto ser bem feita, com inteligência, seu autor sofisma quando não considera os aspectos históricos, ignorando os componentes da nossa cultura e da alma dos brasileiros.
Há na autora (ou autor) o deslumbramento de brasileiro por aquilo que é estrangeiro. Não podia ser diferente, pois ela foi tentar a vida lá fora, não teve as oportunidades aqui. Embora a tendência do brasileiro que more por algum tempo exterior, seja valorizar o Brasil.
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