segunda-feira, fevereiro 06, 2006

O tempo é o senhor das verdades...

Era o ano 47. Eu tinha que trabalhar muito para sustentar meus filhos, ajudar, porque o pai deles, não gostava de trabalhar em fábricas, era oleiro, e ganhava pouco.Até quarta-feira, eu lavava roupas para fora. Passava-as a ferro de carvão. O resto da semana ia fazer limpeza nas casas, onde moravam ingleses e alemães. Trabalhava às sextas-feiras para uma inglesa, ela tinha oitenta anos, o marido 82. Ela se chamava Miss Carr e ele Mister Carr. O nome eu nunca perguntei, eram “Miss e “Mister”. Ele ainda trabalhava na cidade, sempre muito bem vestido, estatura média, e ela também. Ele vinha almoçar, naquela pontualidade britânica, ½ dia. Ela fazia o almoço. Eu limpava a casa e lavava a roupa, que ela passava sentadinha numa cadeira. Eu arrumava a mesa, guardanapos em argolas de prata e e sempre flores na mesa.
Ele chegava, tirava o paletó, e o colarinho sobressaliente duro qual papelão. Se lavava e os dois iam para a mesa. Depois eu tirava a mesa, isto é, o que havia em cima, servia o cafezinho, e quando ia levá-lo, ela estava sentada no colo d’ele, e ele a beijava no rosto e em seus cabelos, cabelos que ela os trazia sempre azulados e ficavam assim agarradinhos como se fossem dois jovens. Eu achava lindo, e me perguntava: Será?
Ele ia para o trabalho e ela ficava no portão, ele se voltava e acenava-lhe com a mão, até virar a esquina.E um dia de manhã, eu arrumando o quarto d’ele, cada um dormia no seu. Aí encontrei dois chinelos, mas um era o d’ela.Eu lhe disse: Miss, aqui tem um chinelo seu e outro do mister. E ela, com aquela carinha engraçada e de quem fôra bonita me disse, no seu português arrevezado: “Nós ainda trocamos chinelos...” Eu arregalei os olhos e sorri, e vi n’aquela fraze tão natural e tão bela, que o amor, entre aqueles que se amam de verdade, nunca morre. Eu fiquei feliz com a felicidade e o amor que irradiava no rosto d’aquela velhinha simpática.

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