sexta-feira, janeiro 26, 2007
Mário Quintana 4
O pintor Waldeny Elias atende à campainha de seu ateliê na rua General Vitorino e lá está Mario Quintana. Viera agradecer pelo presente, uma “pintura de bolso”, de 6 cm x 4 cm. Levava-a, contou com um sorriso português, “na algibeira do fato domingueiro”. Retribuiu presenteando o velho amigo com o recém-lançado livro Do Caderno H.
Na dedicatória, justificou porque não havia aceito um quadro grande que o pintor lhe oferecera.
- Elias, me desculpe e acredite. Eu não tenho paredes. Só tenho horizontes...
(Juarez Fonseca, Oras bolas - O humor cotidiano de Mario Quintana, Artes e Oficios, Porto Alegre, 1996)
Na dedicatória, justificou porque não havia aceito um quadro grande que o pintor lhe oferecera.
- Elias, me desculpe e acredite. Eu não tenho paredes. Só tenho horizontes...
(Juarez Fonseca, Oras bolas - O humor cotidiano de Mario Quintana, Artes e Oficios, Porto Alegre, 1996)
Homenagem de Aniversário
LÍGIA - Tom Jobim
Eu nunca sonhei com você
Nunca fui ao cinema
Não gosto de samba não vou a Ipanema
Não gosto de chuva nem gosto de sol
Quando eu lhe telefonei, desliguei foi engano
O seu nome não sei
Esqueci no piano, as bobagens de amor
Que eu iria dizer, não ... Lígia Lígia
Eu nunca quis tê-la ao meu lado num fim de semana
Um chopp gelado em Copacabana
Andar pela praia até o Leblon
E quando eu me apaixonei
Não passou de ilusão, o seu nome rasguei
Fiz um samba canção das mentiras de amor
Que aprendí com você... Lígia Lígia
Eu nunca sonhei com você
Nunca fui ao cinema
Não gosto de samba não vou a Ipanema
Não gosto de chuva nem gosto de sol
Quando eu lhe telefonei, desliguei foi engano
O seu nome não sei
Esqueci no piano, as bobagens de amor
Que eu iria dizer, não ... Lígia Lígia
Eu nunca quis tê-la ao meu lado num fim de semana
Um chopp gelado em Copacabana
Andar pela praia até o Leblon
E quando eu me apaixonei
Não passou de ilusão, o seu nome rasguei
Fiz um samba canção das mentiras de amor
Que aprendí com você... Lígia Lígia
Mário Quintana
“Se eu pudesse, pegava a dor, colocava a dor dentro de um envelope e devolvia ao remetente...”
quinta-feira, janeiro 25, 2007
O aluno perfeito
Ele se chamava Memorioso, pois seus pais julgavam que a memória perfeita é essencial para uma boa educação.
ERA UMA vez um jovem casal que estava muito feliz. Ela estava grávida, e eles esperavam com grande ansiedade o filho que iria nascer. Transcorridos os nove meses de gravidez, ele nasceu. Ela deu à luz um lindo computador! Que felicidade ter um computador como filho! Era o filho que desejavam ter! Por isso eles haviam rezado muito durante toda a gravidez, chegando mesmo a fazer promessas.
O batizado foi uma festança. Deram-lhe o nome de Memorioso, porque julgavam que uma memória perfeita é o essencial para uma boa educação. Educação é memorização. Crianças com memória perfeita vão bem na escola e não têm problemas para passar no vestibular. E foi isso mesmo que aconteceu. Memorioso memorizava tudo que os professores ensinavam. Mas tudo mesmo. E não reclamava. Seus companheiros reclamavam, diziam que aquelas coisas que lhes eram ensinadas não faziam sentido. Suas inteligências recusavam-se a aprender. Tiravam notas ruins. Ficavam de recuperação. Isso não acontecia com Memorioso. Ele memorizava com a mesma facilidade a maneira de extrair raiz quadrada, reações químicas, fórmulas de física, acidentes geográficos, populações de países longínquos, datas de eventos históricos, nomes de reis, imperadores, revolucionários, santos, escritores, descobridores, cientistas, palavras novas, regras de gramática, livros inteiros, línguas estrangeiras. Sabia de cor todas as informações sobre o mundo cultural.
A memória de Memorioso era igual à do personagem do Jorge Luis Borges de nome Funes. Só tirava dez, o que era motivo de grande orgulho para os seus pais. E os outros casais, pais e mães dos colegas de Memorioso, morriam de inveja. Quando filhos chegavam em casa trazendo boletins com notas em vermelho eles gritavam: "por que você não é como o Memorioso?" Memorioso foi o primeiro no vestibular. O cursinho que ele freqüentara publicou sua fotografia em outdoors. Apareceu na televisão como exemplo a ser seguido por todos os jovens. Na universidade, foi a mesma coisa. Só tirava dez.
Chegou, finalmente, o dia tão esperado: a formatura. Memorioso foi o grande herói, elogiado pelos professores. Ganhou medalhas e mesmo uma bolsa para doutoramento no MIT. Depois da cerimônia acadêmica foi a festa. E estavam todos felizes no jantar quando uma moça se aproximou de Memorioso e se apresentou: "Sou repórter. Posso lhe fazer uma pergunta?" "Pode fazer", disse Memorioso confiante. Sua memória continha todas as respostas. Aí ela falou: "De tudo o que você memorizou qual foi aquilo que você mais amou? Que mais prazer lhe deu?" Memorioso ficou mudo. Os circuitos de sua memória funcionavam com a velocidade da luz procurando a resposta. Mas aquilo não lhe fora ensinado. Seu rosto ficou vermelho. Começou a suar. Sua temperatura subiu. E, de repente, seus olhos ficaram muito abertos, parados, e se ouviu um chiado estranho dentro de sua cabeça, enquanto fumaça saia por suas orelhas. Memorioso primeiro travou. Deixou de responder a estímulos. Depois apagou, entrou em coma. Levado às pressas para o hospital de computadores, verificaram que seu disco rígido estava irreparavelmente danificado.
Há perguntas para as quais a memória não tem respostas . É que tais respostas não se encontram na memória. Encontram-se no coração, onde mora a emoção...
O batizado foi uma festança. Deram-lhe o nome de Memorioso, porque julgavam que uma memória perfeita é o essencial para uma boa educação. Educação é memorização. Crianças com memória perfeita vão bem na escola e não têm problemas para passar no vestibular. E foi isso mesmo que aconteceu. Memorioso memorizava tudo que os professores ensinavam. Mas tudo mesmo. E não reclamava. Seus companheiros reclamavam, diziam que aquelas coisas que lhes eram ensinadas não faziam sentido. Suas inteligências recusavam-se a aprender. Tiravam notas ruins. Ficavam de recuperação. Isso não acontecia com Memorioso. Ele memorizava com a mesma facilidade a maneira de extrair raiz quadrada, reações químicas, fórmulas de física, acidentes geográficos, populações de países longínquos, datas de eventos históricos, nomes de reis, imperadores, revolucionários, santos, escritores, descobridores, cientistas, palavras novas, regras de gramática, livros inteiros, línguas estrangeiras. Sabia de cor todas as informações sobre o mundo cultural.
A memória de Memorioso era igual à do personagem do Jorge Luis Borges de nome Funes. Só tirava dez, o que era motivo de grande orgulho para os seus pais. E os outros casais, pais e mães dos colegas de Memorioso, morriam de inveja. Quando filhos chegavam em casa trazendo boletins com notas em vermelho eles gritavam: "por que você não é como o Memorioso?" Memorioso foi o primeiro no vestibular. O cursinho que ele freqüentara publicou sua fotografia em outdoors. Apareceu na televisão como exemplo a ser seguido por todos os jovens. Na universidade, foi a mesma coisa. Só tirava dez.
Chegou, finalmente, o dia tão esperado: a formatura. Memorioso foi o grande herói, elogiado pelos professores. Ganhou medalhas e mesmo uma bolsa para doutoramento no MIT. Depois da cerimônia acadêmica foi a festa. E estavam todos felizes no jantar quando uma moça se aproximou de Memorioso e se apresentou: "Sou repórter. Posso lhe fazer uma pergunta?" "Pode fazer", disse Memorioso confiante. Sua memória continha todas as respostas. Aí ela falou: "De tudo o que você memorizou qual foi aquilo que você mais amou? Que mais prazer lhe deu?" Memorioso ficou mudo. Os circuitos de sua memória funcionavam com a velocidade da luz procurando a resposta. Mas aquilo não lhe fora ensinado. Seu rosto ficou vermelho. Começou a suar. Sua temperatura subiu. E, de repente, seus olhos ficaram muito abertos, parados, e se ouviu um chiado estranho dentro de sua cabeça, enquanto fumaça saia por suas orelhas. Memorioso primeiro travou. Deixou de responder a estímulos. Depois apagou, entrou em coma. Levado às pressas para o hospital de computadores, verificaram que seu disco rígido estava irreparavelmente danificado.
Há perguntas para as quais a memória não tem respostas . É que tais respostas não se encontram na memória. Encontram-se no coração, onde mora a emoção...
terça-feira, janeiro 16, 2007
VOU DE MIM
Desde o início da semana, o clima naquela escola de educação infantil não era o mesmo. O pátio ficou menor devido à quantidade de isopor pintado, aos tapumes necessários, às bandeirolas e às caixas nas quais estavam os balões por encher. E, no meio de todos esses materiais, as monitoras e professoras conduziam com cuidado seus pequenos alunos, com idades entre 2 e 4 anos. Uma festa com príncipes e princesas estava prevista para sábado, a fim de comemorar o Dia das Crianças e antecipar o fim do ano, tão próximo.
Por sorteio, as crianças das duas diminutas turmas do maternal foram escaladas para se apresentar com fantasias, de modo a reproduzir tudo aquilo que já vinha se constituindo no seu imaginário infantil. A cada princesa, o seu príncipe. Como há mais alunas e alunos do que príncipes e princesas apreciáveis e desejáveis, decidiu-se que na festa haveria três Cinderelas, duas Brancas de Neve, uma Rapunzel, uma Bela Adormecida, duas Chapeuzinhos Vermelhos e duas Marias com seus respectivos Joõezinhos. Victória, minha neta de quase 4 anos, deveria ir vestida de Branca de Neve.
Na quinta-feira, já era possível ver as colunas do palácio onde aconteceria o baile. Pedaços de isopor faziam imaginar o tamanho das abóboras, o caixão de vidro da Bela Adormecida e os castelos da Rapunzel e da Cinderela. Árvores, muitas delas mostrarão a passagem da floresta para o local da festa. Um alvoroço. As crianças querem saber: onde estão os sapatinhos de cristal? Não há bruxa? E a maçã envenenada? E os Três Porquinhos? Não existe Lobo Mau? E a Vovozinha? Pouco a pouco, vão se convencendo de que, para a festa, só haviam sido convocados “os do bem”, os “bois brancos”, como costumo dizer.
Sábado, 15 horas. Banho e início da arrumação de nossa princesa, a Branca de Neve. De repente, o inesperado: Victória nem admite a idéia de vestir a fantasia. Não quer porque não quer. Bate o pé e chora. Sentada no chão, está desolada. Simplesmente, não quer. Surge, então, a afirmação surpreendente:
– Eu não quero ir de Branca de Neve! Vou de mim! Eu quero ir de mim!
Ela queria ir de Victória, como ela é, e não de Branca de Neve.
Como contrariar uma criança que escancara, com todas as letras, um paradigma de verdade, de autenticidade? Como, no entanto, furar uma programação infantil e, o que é pior, deixar um príncipe sem a sua princesa? Enquanto a família, em conselho reunida, discute a melhor solução para o impasse, eu penso em minha longa vida e nas inúmeras oportunidades com que me deparei com situações reais nas quais o ser autêntico é confrontado e testado e, muitas vezes, naufraga no seu esforço por viver de si mesmo, de mostrar-se como é.
Quantos não vão de si mesmos! Quantos fingem, vestem uma roupagem que não lhes pertence, uma vestimenta fantasiosa de inteligentes, sábios, ricos, bondosos, religiosos, beneméritos, cultos e amigos fiéis, acreditando que poderão ser mais bem aceitos dessa forma do que se surgissem como realmente eram. A auto-estima baixa é, sem sombra de dúvida, a mãe desse engano lamentável que muitos cometem e do qual já fui vítima tantas vezes. Aquele que “veste uma máscara” esconde-se em uma grossa camada de verniz, teme ser visto com sua real face, porque a abomina. Não gosta daquele rosto, daquela personalidade. Renega suas raízes, os seus traços e permanece soberbo e infeliz.
A criança, sem o saber, freqüentemente nos dá lições de como resistir às fantasias que nos tiram da realidade e nos lançam em um mundo ilusório, arriscado por ser fictício. A queda é tão maior quanto a altura, e, conseqüentemente, a distância que nos separa da realidade. Há pessoas que não superam. Existem indivíduos que comprometem sua vida e sua segurança e a vida e segurança dos seus e de outros, para manter as aparências enganosas. Custe o que custar!
Enganam-se, acreditando que continuam acreditados e prosseguem como uma fraude viva, errando e sofrendo com os resultados de suas ações e omissões. Onde e como as pessoas começam a mentir? Mentir para si mesmo? Mentir para os outros? Como uma inocente festinha infantil pode contribuir para distorcer a natural tendência para o bem, para o certo, que é natural no ser humano nascido em condições de normalidade?
Quais seriam suas razões? Estaria pensando que, indo de Branca de Neve, ganharia o príncipe, mas perderia seus pais e Tatão, seu irmão? Será que eu estaria nessa perda? Nem quero imaginar...
Enquanto reflito, meus familiares decidem e agem. Victória, depois de muita argumentação dos pais, Vicente e Rosângela, entendeu que ir de Branca de Neve por fora não a impedia de ir dela própria por dentro. Compreendeu que se tratava de uma festa e que sua ausência tornaria infeliz um menininho que iria de príncipe e ainda não estava desperto, talvez, para seus profundos questionamentos existenciais. O menino não ficaria magoado, supondo que sua negativa seria porque era ele e não outro garoto? Afinal, por compreensão, respeito à disciplina, carinho ao coleguinha e, também, porque a festa seria linda, concordou em vestir a ma-ra-vi-lho-sa fantasia que estava sobre sua cama.
E eu pude, então, ver passar à minha frente a mais bela Branca de Neve que eu poderia ter sonhado em minha infância, quando ainda me julgava um príncipe. E nos dias que me restam, Victória, por amor e em sua homenagem, vou querer sempre “ir de mim”. Obrigado!
Damásio de Jesus
terça-feira, janeiro 02, 2007
Meu amigo morreu.
Tenho corrigido redações. Centenas delas. Se por um lado é um trabalho interessante, que gera um dinheiro interessante, por outro me deprime ver a imensa falta de idéias próprias que os vestibulandos pregam. E o pior é que essas nem são do pré-vestibular em que trabalho, o que diagnostica que o embotamento é geral. Felizmente, em 300, salva-se uma. Tocante. Coloco-a aqui, sem a licença da autora. Para fins didáticos, digamos. O tema? O tema não importa. Importa a sensibilidade. A sutileza em retratar uma realidade tão horrenda. A poesia que, ainda agora, me faz ficar ligeiramente engasgada ao reler o texto.
Hoje meu melhor amigo morreu. Lembro-me da primeira vez que eu o vi, com a cabeça erguida e olhos admirados, observando o imponente prédio recém-construído. Debruçado sobre a janela, eu observava aquele menino de chinelos, enquanto esperava meu pai instalar o meu novo "vídeo-game". Poucos dias depois jogávamos futebol juntos, no velho campinho que separava a favela da zona-sul. Em algum momento, eu soube que seríamos amigos para sempre. O tempo passou, crescemos em estatura e na amizade. Eu ia para a faculdade, viajava nas férias e gastava minha mesada no fim de semana; ele ajudava o pai a construir e embalar pipas, que os dois vendiam no sinal. Eu estava lá no dia em que ele chorou, porque não podia mais estudar, e não pude fazer nada. Queria ajudar, pedir a meu pai que pagasse seus estudos, mas eu sabia que seria em vão. Às vezes falatava luz na favela e eu esperava meus pais saírem para que ele entrasse e tomasse um banho. Tantas vezes eu vi meu amigo passar fome, junto com sua família, e ofereci meu dinheiro sem hesitar. Tantas vezes ele não aceitou, orgulhoso, e eu mandei que um moleque entregasse algumas compras escondido. Hoje ele não está aqui. Morreu aos 23 anos, de bala perdida. Pobre, sofrido, excluído socialmente, honesto, sonhador, digno... meu amigo... morto.
Hoje meu melhor amigo morreu. Lembro-me da primeira vez que eu o vi, com a cabeça erguida e olhos admirados, observando o imponente prédio recém-construído. Debruçado sobre a janela, eu observava aquele menino de chinelos, enquanto esperava meu pai instalar o meu novo "vídeo-game". Poucos dias depois jogávamos futebol juntos, no velho campinho que separava a favela da zona-sul. Em algum momento, eu soube que seríamos amigos para sempre. O tempo passou, crescemos em estatura e na amizade. Eu ia para a faculdade, viajava nas férias e gastava minha mesada no fim de semana; ele ajudava o pai a construir e embalar pipas, que os dois vendiam no sinal. Eu estava lá no dia em que ele chorou, porque não podia mais estudar, e não pude fazer nada. Queria ajudar, pedir a meu pai que pagasse seus estudos, mas eu sabia que seria em vão. Às vezes falatava luz na favela e eu esperava meus pais saírem para que ele entrasse e tomasse um banho. Tantas vezes eu vi meu amigo passar fome, junto com sua família, e ofereci meu dinheiro sem hesitar. Tantas vezes ele não aceitou, orgulhoso, e eu mandei que um moleque entregasse algumas compras escondido. Hoje ele não está aqui. Morreu aos 23 anos, de bala perdida. Pobre, sofrido, excluído socialmente, honesto, sonhador, digno... meu amigo... morto.
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